Em 2020, mais pessoas morreram de coronavírus na capital do que oficialmente em toda Belarus
19 abril 2021, 12:01 | Hleb Liapeika, Kiryl Kheifets, mediazona.by
Os relatórios oficiais do Ministério da Saúde sobre o número de pessoas infectadas com coronavírus e consequentes mortes são muito diferentes dos dados que os próprios burocratas coletam para uso interno. Em 2020, mais pessoas foram infectadas e morreram em Minsk do que o Ministério da Saúde informou sobre todo o país – isso foi mostrado pelos dados dos cartórios e instituições de saúde de Minsk, aos quais Mediazona teve acesso. Resulta deles que, no ano passado, morreram cinco mil pessoas a mais do que o normal em Minsk – a taxa de mortalidade aumentou 29%. E as principais vítimas da epidemia tinham idade acima de 60 anos.
Oficialmente a primeira vítima da epidemia de coronavírus em Belarus foi considerada o ator de 75 anos do Teatro Yakub Kolas, Viktar Dashkevitch. Ele faleceu em 31 de março de 2020, em Vitsebsk. Ao longo de 2020, 1.433 pessoas morreram por COVID-19 no país – esses são os dados oficiais do Ministério da Saúde.
Esta afirmação é questionada pelos dados obtidos por Mediazona sobre a taxa de mortalidade em Minsk – eles mostram que só na capital morreram mais pessoas de coronavírus do que oficialmente em toda Belarus.
Que dados recebemos
Os materiais usados nesta publicação foram obtidos de três fontes diferentes. Uma fonte deu a Mediazona uma tabela com dados do cartório de Minsk sobre mortalidade em 2020. Ela contém, entre outras coisas, informações sobre o nome do falecido, as datas de seu nascimento e morte e o número do registro da morte. Algumas mortes na tabela foram duplicadas, mais algumas pessoas morreram no final de 2019 – excluímos essas linhas. Verificamos óbitos selecionados aleatoriamente – consultamos publicações na mídia e redes sociais, contatamos parentes e amigos. Em todos os casos, os dados coincidiram.
As informações sobre as mortes em novembro e dezembro de 2020 nesta tabela coincidem com os dados de mortalidade obtidos no cartório do principal departamento de justiça do Comitê Executivo da Cidade de Minsk (fornecidos à redação por uma outra fonte). Essas tabelas, intituladas “Relatório para Estatísticas Médicas”, contêm informações mais detalhadas sobre as mortes em Minsk de 5 de novembro a 30 de dezembro – entre outras coisas, a causa da morte é indicada lá (incluindo o coronavírus).
O terceiro arquivo, obtido de outra fonte, contém notificações emergenciais de COVID-19 detectadas em todas as instituições médicas em Minsk desde o início de junho até o final de novembro. São indicados os pacientes enfermos, as datas de seu registro no Centro de Higiene e Epidemiologia e muito mais. Um médico do hospital clínico da cidade confirmou que os dados da base da sua instituição coincidem com as informações do nosso arquivo. Também entramos em contato com pessoas selecionadas aleatoriamente da lista – elas confirmaram a exatidão dos dados sobre a hora e o local de registro de coronavírus no seu caso. No entanto, subsistem dúvidas sobre a exaustividade dos dados obtidos, uma vez que não conseguimos encontrar neles várias pessoas com testes definitivamente positivos. É possível que o número de infecções detectadas tenha sido ainda maior.
A informação em todas as tabelas são os números que estão definitivamente à disposição dos burocratas belarussos. Eles permitem não só tirar conclusões sobre como foi a epidemia de coronavírus em Belarus no ano passado, mas também até que ponto as mensagens oficiais do Ministério da Saúde correspondem à realidade.
Mais casos de coronavírus foram registrados em Minsk todos os dias do que oficialmente no país
Os médicos entrevistados por Mediazona explicaram que toda instituição onde um paciente com doença infecciosa – e não apenas um coronavírus – é identificado, envia uma notificação de emergência ao Centro distrital de epidemiologia e higiene todos os dias. De lá, as informações são enviadas ao Centro municipal de epidemiologia e higiene de Minsk.
A base para o diagnóstico de COVID-19 pode ser não apenas um teste de PCR positivo, mas também a tomografia computadorizada, bem como a presença de anticorpos, dizem os médicos. Ou seja, alguns dos casos de coronavírus foram registrados “retroativamente” em pacientes que já haviam se recuperado naquela época.
O Ministério da Saúde publica dados sobre novos casos de coronavírus diariamente em seu canal de Telegram – e se compararmos esses números com os dados recebidos da fonte sobre os casos de infecção detectados, verifica-se que na realidade mais pessoas infectadas foram registradas em Minsk todos os dias do que no país como um todo, de acordo com a versão oficial.
O Ministério da Saúde afirma que, de 5 de julho a 29 de novembro, foram registrados 88.753 pacientes com coronavírus em todo o país – incluindo Minsk. Já nas notificações de emergência, apenas em Minsk, para o mesmo período são registrados pelo menos 101.966 casos.
Além disso, nossos dados carecem de seis dias deste período. Com base nos números das datas vizinhas, pode-se presumir que cerca de 4 mil outros casos de COVID-19 foram identificados nestes dias.
Os números no gráfico são suavizados usando uma média móvel centralizada – isso significa que cada ponto específico exibe o valor médio ao longo de sete dias (atual, três anteriores e três subsequentes). Isso é feito para suavizar o quadro, já que nos finais de semana o registro de casos é praticamente nulo, por isso o gráfico desce, e no início da semana aparecem os picos – são registradas as pessoas que passaram mal nos últimos dias.
Além disso, os valores são apresentados divididos por 100 mil habitantes de Minsk e de Belarus, respectivamente, a fim de mostrar claramente a diferença entre relatórios oficiais e dados internos de funcionários. A população da capital é de 2 milhões de pessoas, em todo o país – 9,35 milhões.
A julgar por essas estatísticas, as infecções começaram a diminuir apenas em meados de junho: após o dia 16, seu número caiu para menos de mil casos por dia. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde, durante a primavera e o verão [de março a agosto – Trad.], nunca relatou mais de mil novas infecções em todo o país.
A segunda onda da pandemia, a julgar por nossos dados, começou em setembro. Em meados de outubro, em Minsk, os médicos já registravam mais de mil casos todos os dias, e, um mês depois, mais de dois mil. O Ministério da Saúde nunca reconheceu um número tão elevado de infecções: de acordo com o ministério, a maioria dos casos novos foram detectados em 11 de dezembro – 1.975 pessoas em toda Belarus.
Em novembro e dezembro, mais pessoas morreram em Minsk todos os dias do que oficialmente em toda Belarus
Os dados que recebemos do cartório do Departamento de Justiça do Comitê Executivo da cidade de Minsk contêm informações sobre as mortes registradas na capital, de 5 de novembro a 29 de dezembro de 2020. Para cada pessoa, a causa da morte é indicada ali de acordo com a codificação CID-10, bem como a organização que registrou essa causa.
Durante esses dois meses, o coronavírus foi listado como causa de morte em 700 casos (272 mortes, de 5 a 31 de novembro, e 428 mortes, de 1 a 29 de dezembro). Aqueles que morreram devido a isso somam 15% de todas as mortes durante este tempo.
O Ministério da Saúde não publica dados sobre mortes por coronavírus em Minsk – apenas em todo o país. As publicações no canal de Telegram do Ministério da Saúde afirmam que em toda Belarus, durante este período, apenas 415 pessoas morreram de COVID-19 (167 pessoas, de 5 a 31 de novembro, e 248, de 1 a 29 de dezembro) – isto é, ainda menos do que oficialmente registrado ao mesmo tempo pelos cartórios de Minsk.
Em dezembro, de acordo com os dados do cartório, cerca de 15 pessoas eram registradas diariamente em Minsk com coronavírus como causa da morte. O Ministério da Saúde, naquela época, falava de 8 a 9 mortes por dia em todo o país.
Assim como o gráfico de casos de coronavírus relatados, este gráfico também é suavizado usando uma média móvel centralizada. Em 2020, o recorde para o número de mortes por coronavírus, a julgar pelos nossos dados, caiu no dia 17 de dezembro para 27 pessoas. De acordo com o Ministério da Saúde, naquele dia, ocorreram apenas nove mortes em todo o país.
O número de mortes pode ser ainda maior – COVID-19 nem sempre é registrado como a causa da morte
O sistema de registro de óbitos foi explicado à Mediazona anonimamente por um funcionário de um dos departamentos de anatomia patológica de Belarus: “Digamos que uma pessoa morra em um hospital. Nesse caso, o médico faz um diagnóstico final, que indica as doenças principais, antecedentes e concomitantes, além das complicações”. Todas as doenças são codificadas de acordo com a CID-10. Os médicos informam os familiares sobre o falecimento do paciente, e o corpo do falecido é transportado para o serviço de anatomia patológica.
Lá é realizada uma necrópsia, caso a decisão sobre sua necessidade seja tomada pela administração da instituição em que a pessoa foi tratada e faleceu. Após a necrópsia, é feito o diagnóstico patológico, que ficará registrado na certidão de óbito. Se a necrópsia não for realizada, o médico responsável faz um diagnóstico final e emite um atestado de óbito.
Depois disso, o atestado médico de óbito é transferido aos parentes da pessoa falecida, e eles se dirigem ao cartório distrital, onde o óbito é oficialmente registrado. Dos distritos da cidade, todos os dados são transferidos para o cartório do principal departamento de justiça do Comitê Executivo da cidade de Minsk, onde são formadas as estatísticas de mortalidade na capital – são esses os dados recebidos por Mediazona.
Se a pessoa morreu em casa, a polícia e o clínico geral local são chamados. A polícia verifica se não há sinais de violência e vai embora. O clínico olha o cartão da clínica distrital: se a pessoa falecida tinha visitado recentemente um médico e tinha uma doença que poderia levar à morte, então ela é indicada como a causa da morte. Em casos polêmicos, o corpo é encaminhado para perícia médica.
O Ministério da Saúde esclareceu, em despacho de 2 de abril de 2020, quando o coronavírus deve ser apontado como causa de óbito. Ele indica que a doença causada pelo COVID-19 (por exemplo, pneumonia viral) é colocada no diagnóstico patológico como a principal “na presença de pneumonia viral intersticial grave com característicos sinais morfológicos”.
Se a pessoa falecida apresentava outras doenças graves que sofreram complicações devido ao coronavírus, então o COVID-19 pode ser parte integrante da doença de base combinada – e, neste caso, conforme indicado no despacho, é o coronavírus que deve ser codificado em atestado médico de óbito como doença principal.
Segundo o mesmo patologista, a doença principal entra nos dados do cartório e, em ambos os casos, a partir do despacho do Ministério da Saúde, é o COVID-19 que será apontado como causa do óbito. Assim, em nossos dados de mortalidade de novembro a dezembro, 700 óbitos são apenas aqueles para os quais o coronavírus foi indicado como doença principal.
O interlocutor destaca que se todos os médicos seguissem essa ordem do Ministério da Saúde, “teríamos as estatísticas mais honestas do mundo”. As falsificações, em sua opinião, ocorrem por ordem verbal das administrações das instituições de saúde e são “formadas embaixo”.
Segundo ele, para “não estragar as estatísticas”, o patologista pode simplesmente indicar o coronavírus em outro parágrafo do atestado. Se, além da COVID-19, uma pessoa tiver outra doença grave, o especialista pode simplesmente indicar o coronavírus como a segunda doença principal (e apenas a primeira é incluída nas estatísticas).
Entre essas doenças, atrás das quais as estatísticas muitas vezes escondem o coronavírus, o médico chama as doenças cardíacas – por exemplo, cardiosclerose aterosclerótica ou pós-infarto, além da hipertensão arterial.
“É muito fácil esconder qualquer coisa por trás da aterosclerose, porque a maioria dos que morrem de coronavírus tem mais de 50 anos. Por volta dos 50 anos, uma em cada três pessoas teria alguma manifestação de aterosclerose”, disse o interlocutor. Portanto, tal causa de morte oculta muitas doenças, não apenas a COVID-19, observa ele.
De acordo com o cartório, 1.549 pessoas morreram das variedades de doenças cardíacas ateroscleróticas. Isso é 32,8% das que morreram de novembro a dezembro. É difícil dizer quantas dessas mortes podem ser atribuídas ao coronavírus, diz o patologista, porque “uma porcentagem bastante grande de casos controversos se enquadra nessa categoria quando é difícil estabelecer a causa exata da morte”.
Segundo ele, a velhice como causa de morte (caso não tenha sido realizada necrópsia) pode ser indicada se a pessoa tiver mais de 85 anos. Houve 123 casos desse tipo de novembro a dezembro, de acordo com o cartório de Minsk, e 29 mortes eram de pessoas com uma idade um pouco menor.
Sem um teste positivo para coronavírus, ele nunca será indicado como a causa da morte, acrescenta o interlocutor, “mesmo que tudo seja óbvio para o patologista na necrópsia”. O resultado da pesquisa póstuma nem sempre é informativo e muitas vezes é obtido com grande demora, principalmente nas regiões.
29% mais pessoas morreram em Minsk em 2020 do que em média nos últimos cinco anos
Em uma situação onde as estatísticas de infecções e mortes por coronavírus não são confiáveis, os dados de excesso de mortalidade ajudam a estimar a escala da epidemia. É o número que mostra quantas pessoas morreram a mais em um ano do que em média nos últimos cinco anos .
Normalmente, o número de mortes em Minsk é publicado pelo Belstat [Comitê de Estatística de Belarus – Trad.] a cada trimestre (o comitê indica os números dos mortos no boletim estatístico trimestral “Situação socioeconômica da cidade de Minsk”), o número médio para 2014-2019 é de cerca de 17,4 mil mortes por ano.
A partir dos dados do cartório obtidos pela Mediazona, conclui-se que 22.454 pessoas morreram em Minsk em 2020 – isto é, 5.000 a mais do que o normal. Ou seja, durante o ano da epidemia, a mortalidade aumentou 29% – quase um terço.
A partir dos dados trimestrais, verifica-se que a epidemia de COVID-19 atingiu o pico durante a segunda onda do outono – o aumento da mortalidade no quarto trimestre foi superior a 59%.
As principais vítimas da epidemia são pessoas com mais de 60 anos
81% das mortes em Minsk em 2020 são de pessoas com mais de 60 anos. O maior aumento na mortalidade ocorreu precisamente entre esses idosos – em vez dos habituais 13.827, 18.191 mortes foram registradas em Minsk. O aumento da mortalidade entre as pessoas na idade de 60 a 69 anos foi de 30,45%, acima de 70 anos, 27,7%.
De novembro a dezembro, no auge da segunda onda da epidemia de COVID-19, a proporção de pessoas com mais de 70 anos entre as que morreram de coronavírus era de 56,3% (se somarmos com as que morreram na faixa de 60 a 69 anos, obtemos 81,6% das mortes de COVID-19).
A expectativa média de vida em Belarus é de 78 anos para as mulheres e apenas 64 anos para os homens. Em todas as faixas etárias, os homens morrem 2 a 3 vezes mais frequentemente, com exceção apenas das pessoas com mais de 70 anos – há muito mais mulheres nessa faixa.
Um quadro mais completo do excesso de mortalidade em toda Belarus, e não apenas em Minsk, poderia ser fornecido pelos dados da Belstat – mas o departamento já adiou várias vezes a publicação dessas estatísticas para 2020 sem explicar as razões: primeiro, a previsão era no início de abril, depois o Comitê planejava publicar os dados em 16 de abril, a próxima data foi remarcada para 17 de maio. Mas não se sabe se ela também não será transferida.
Já agora, os dados de que dispomos sobre as mortes em Minsk sugerem que Belarus se depara com um aumento sem precedentes na mortalidade, e os números oficiais do Ministério da Saúde não refletem a realidade e são refutados por documentos de cartórios e instituições de saúde.
Mediazona agradece ao Centro Analítico iSANS pela ajuda na preparação do material, assim como a Dzmitry Kobak, que analisa o aumento da mortalidade por coronavírus.